sexta-feira, 30 de março de 2007

O vazio-cheio da infância.

Me lembro que minha avó, mãe de meu pai, ficava preocupadíssima quando eu e meu irmão íamos brincar lá pra rua. E “pra rua” não queria dizer utilizar a rua para chegar a algum lugar, onde iriamos brincar. A rua, este espaço genérico, este meio, era o lugar de destino. Por mais que não nos distanciássemos muito de casa, esta incerteza de destino certamente fazia parte da brincadeira.

As ruas eram mais seguras naquele tempo, isso é certo, mas os perigos eram outros. Perigos muito mais “gostosos” do que estes perigos impostos de hoje em dia. Os perigos eram parte de um desafio proposto por nós mesmos. A opção de enfrentar estes perigos era, quase que exclusivamente, nossa.

O ambiente, o cenário desta aventura, como não tinha que deixar de ser, era meio vazio. No nosso bairro poucas casas tinham sido construídas quando meus pais se mudaram pra cá. Logo, os terrenos baldios eram nosso palco, nossa fonte de objetos fantásticos e nosso campo de batalha.

O terreno baldio, com aquele mato vasto, esconde coisas. Quando entrávamos num terreno baldio, exercitávamos o desafio ao medo do desconhecido, e nos surpreendíamos com os sustos e com os "tesouros de lixo e sucata" que nos esperavam por trás da grama alta.



Clique na foto para ampliá-la e ver o restaurante da Unicamp (Bandejão) ao fundo. Ele está quase 5 quarteirões distante de minha casa. Aquele morro que se vê no fim da rua é aquela subidona que hoje vai pra PUCC.

Brincávamos nos terrenos e víamos os terrenos se transformando em construções. As fundações das casas inacabadas eram um certo tipo de templo, misturado com esconderijo. Os tesouros recolhidos nos terrenos baldios eram muito bem guardados em cantinhos dessas construções, que naquela época, demoravam para ser concluídas. Mas também acho que a própria noção de que aquele “templo/esconderijo” um dia daria lugar a uma casa, agregava mais valor a tudo aquilo. Acho que isso se justifica por uma sabedoria que as crianças tem de manter sempre a efemeridade das brincadeiras…um dia aquela brincadeira acaba, e inventa-se outra.



Este é meu irmão. Notem a expressão compenetrada no rosto dele. Um profissional da brincadeira!!!

Lembrei-me agora de algo que só me dei conta recentemente. Essas casas eram construídas e o cimento era misturado na rua, próximo do que viria a ser o portão de entrada. Depois que essas casas são finalizadas, uma casca de cimento permanece grudada ao asfalto. Se o cimento, o concreto ali misturado é o elemento que liga e que une os elementos estruturais da casa, podemos dizer que temos aqui e acolá, nessas cascas de cimento seco, o umbigo das casas!

Nós, os “fiscais” fajutos daqueles templos fantásticos, hoje vemos aquele mesmo cimento de “nossas” construções, em seu aspecto bruto. Como um “fóssil de infância”.

Acho que os “troféus”, peças avulsas de jogos perdidos, tampas de garrafa e pedrinhas, são “fósseis de infância”.

Eu tenho me dedicado a resgatar e preservar certos objetos e lembranças. Tenho sido o curador de uma exposição arqueológica sobre o meu passado simbólico. Nas gavetas do meu quarto, em certas caixas e em certas prateleiras, estão expostos os meus troféus. Troféus de conquistas que só eu presenciei, e cujo prêmio só eu pude apreciar.

2 comentários:

Skywalker disse...

Esse outro ai na foto atrás do seu irmão sou eu ou é o Richard?

Abração,

Celo

Anônimo disse...

Bonito post!
Tenho sentimentos parecidos de um universo bem parecido, mas ao mesmo tempo tao distante...
a parte 2 tinha tantas coisas similares, mas era outro mundo!
Seu blog ta muito bom An2!
Esses dias to sem net em casa, indo pra cafes e tal, mas vou ver se resolvo logo isso!
Abracos